Continuação da crónica do mês de Novembro… "Da vitimização à resiliência..."
- Sandra Anjos
- 5 de dez. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de dez. de 2018

A tia de T. contacta a irmã afirmando que esta situação não pode continuar assim, pois as notas estão a descer o que provoca ainda mais ansiedade na criança aquando da realização das avaliações. Além disso, diz que ultimamente o sobrinho fica muito tempo enfiado no quarto a jogar computador ou sabe-se lá a fazer o quê e não quer conviver com ninguém.
A mãe acaba por dizer que o pai entretanto chegou a Portugal após a conclusão do seu tratamento oncológico, e poderá ajudá-la mais na educação do filho, descartando-se esta, mais uma vez, da sua responsabilidade parental.
Entretanto a tia combina com a irmã um encontro entre os três para explicar que falou com a professora da escola, que T. vai começar a ter acompanhamento psicológico e já tem consulta marcada no médico de família.
O pai de T. fala com a mãe, argumentando que não sabia de nada em relação à situação actual, e pensava que ela estaria a tomar as rédeas da educação do filho enquanto ele esteve fora.
A tia, por sua vez, diz ainda que a professora nota que T. demonstra ainda mais ansiedade, manifestando-se logo a partir da marcação dos testes.
Esta difusão de responsabilidade e ausência de diálogo/comunicação por parte dos pais com a qual nos deparamos na continuação da situação que vos descrevo, faz-nos pensar o que irá na cabeça de T. neste momento.
Indo por partes...
O primeiro sinal de alerta é ter aparecido mais uma condição negativa como chamada de atenção: ficar no quarto a jogar computador levando ao isolamento social, utilizando esta situação como um refúgio perante a realidade.
Todas as tecnologias acabam por funcionar, principalmente nesta idade, como uma novidade e uma estimulação de imersão na realidade virtual, o que poderá ter consequências nefastas quando a segurança é descuidada diante de diversas situações de risco e vulnerabilidade. É da responsabilidade parental (ou adultos tomados como referência) incutir na criança os limites saudáveis ao seu desenvolvimento normativo.
A tia tenta por todos os lados mas sozinha não consegue tomar as rédeas da situação. T. adora a tia mas não se sente feliz.
Entretanto, o pai tenta, mais uma vez, conversar com a mãe, mas esta não se mostra disponível. Comunica então novamente com a tia, argumentando que gostaria de falar com o filho e estar algum tempo com ele, agora que está em Portugal.
É aqui que a Psicologia vai actuar...
- Em primeiro lugar, tendo em conta que as crianças têm uma maior neuroplasticidade, o que lhes confere uma maior adaptação a mudanças, a consciencialização na criança passa por gradualmente se ir libertando da necessidade da aprovação do outro, havendo uma substituição de padrão.
O pai fala então com T., tentando perceber como está. O filho afasta-se e mostra-se revoltado, não entendendo porque só agora o pai aparece.
E pergunta:
"Porque não me vais buscar à escola?", "Porque é que não estás nas festas como estão os pais dos meus amigos?", "O que é que eu te fiz, Pai?".
O pai fica sem chão e sem palavras, quando percebe o eco e as proporções que a sua ausência tivera no filho até então. Tenta abraçá-lo e T. rejeita. O pai arrisca explicar a T. que, esteve ausente por motivos de doença, mas não o abandonou.
T. compreende a reacção do pai, e mostra-se surpreendido com a situação de saúde do mesmo, no entanto não entende o porquê dele se ter afastado por motivo de doença.
Para que a identidade de T. funcione de forma harmoniosa e se consolide numa estruturação sólida ao longo do seu crescimento, todos os intermediários devem estar em consonância.
A escola... deverá sempre contactar e transmitir quaisquer situações que ocorram;
Os amigos... participam na criação de relações sociais importantes ao desenvolvimento da criança;
Os pais (ou quem educa)... são a referência e o modelo da criança inevitavelmente, e a família a sua extensão;
A Psicologia surge então como uma medida adicional que pode actuar e intervir, sempre que necessário.
Tendo em conta a situação actual, a tia fala com a psicóloga e diz que o pai está em Portugal, sendo o mesmo chamado à sessão seguinte. Este, fragilizado com toda a situação ocorrente, acaba por contar o que se está a passar.
A Psicologia irá então actuar a vários níveis...
- Em primeiro lugar, fazer com que T. perceba a realidade da situação;
- Em segundo lugar, ajudar na libertação do sentimento de rejeição por parte do pai;
- Posteriormente, é de extrema importância que T. sinta que é merecedor de amor por parte do mesmo, reduzindo a ansiedade de separação.
Gradualmente, nota-se que:
- T. está a entender a situação de saúde do pai, até porque passam mais tempo juntos e o filho sente o carinho do pai;
- Já no que diz respeito à mãe, T. continua a revelar ansiedade de separação e sentimento de rejeição;
- O filho ao tentar libertar-se deste estado emocional, mostra aqui a sua capacidade de resiliência(capacidade de se adaptar a situações adversas), fazendo por demonstrar também compaixão pelo pai, sem se culpar por isso ou vitimizar-se;
- É importante que este vínculo crie raízes e bases que outrora não estavam construídas e que toda esta realidade vá sendo desmistificada, em paralelo ao estado de saúde do pai e ao crescimento normativo de T;
- A mãe continua com uma postura distante e crítica em relação ao comportamento do pai perante T.
Todos nós temos o direito de cair no chão e até ficar em cacos. Muitas vezes isso é preciso para nos sentirmos inteiros. É preciso sofrer para sentir.
Não pensemos que a nossa situação é a pior do mundo porque todos temos problemas e todos nós temos as ferramentas necessárias para os superar. Muitas vezes, necessitamos de pisar o risco para saber se estamos no caminho mais acertado. Sabemos, no entanto, que vão sempre existir falhas, em cada momento certo que vivemos. Tudo o que a vida nos pede muitas vezes é: FOCO. Foquem-se no que desejam. Arrisquem-se e Assumam-se.
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