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Crianças… "A ansiedade: Deixas que te defina ou torne mais forte?"




T. de 7 anos anda na escola primária, tem os pais separados há um ano e vive com a tia materna. A mãe é médica e trabalha por turnos e o pai encontra-se a trabalhar fora do país. Esta criança anda no 2º ano de escolaridade e desde que começou a escola que tem vindo a apresentar sintomas típicos de ansiedade, como elevados níveis de preocupação e pensamentos negativos por antecipação em relação às notas, o que levou à somatização (sintomas psicológicos traduzidos em sintomas físicos), sentindo o coração acelerado, tonturas, náuseas e perda de concentração, principalmente antes das avaliações.


A criança evita assim realizar as tarefas com medo da crítica, o que compromete o seu desempenho escolar. T. é considerado um aluno inteligente, com notas razoáveis, no entanto a professora pediu para a tia se dirigir à escola pois está bastante preocupada com o comportamento do mesmo, já que se tem vindo a agravar ultimamente.


É sugerido pela professora que a criança tenha acompanhamento psicológico e consulte o médico para o caso de ser necessário tomar alguma medicação. A tia sempre foi atenta e preocupada com o sobrinho, diz que é como um filho para ela, criou-o desde pequenino e faz tudo para o ver bem, mas não está a saber lidar com esta situação.


Neste exemplo que vos descrevi, deparamo-nos não só com a ansiedade no desempenho escolar,que compromete o sucesso da criança, e acima de tudo… a sua saúde e bem-estar; como também com a ansiedade de separação, pois o medo de estar longe dos pais e/ou adultos de referência, traduz-se numa manifestação aguçada de insegurança, o que faz com que T. fique tenso e nervoso, e muitas vezes não saiba o porquê. A tia conta à professora que a criança faz "birras" à entrada da escola no carro e diz sentir saudades da mãe e que o pai o abandonou. "Sinto-me infeliz, ninguém gosta de mim", "O que é que eu fiz para que os meus pais não gostem de mim?", "Porque sou diferente das outras crianças?", são algumas questões que a tia refere que já foram citadas pela criança. Ela tenta acalmá-lo e ele acaba por ir juntamente com o grupinho de amigos que formou desde que entrou para a escola.


No entanto, a tia sabe que esta situação não pode continuar assim por muito mais tempo e já falou com a mãe da criança, diz andar extremamente ocupada com o trabalho, que confia na irmã e tem deixado o barco andar. Traduzindo na prática, a criança tem os pais ausentes e sofre bastante com isso, mesmo tendo a tia como adulto de referência.


A ansiedade torna-se um problema quando interfere no quotidiano da criança, impedindo esta de usufruir da sua vida como habitual, por afectar a sua vida familiar e/ou social. Pode assim ter um impacto no desenvolvimento normativo da criança e interferir com as aprendizagens, criação de amizades e relações familiares.


A ansiedade domina quando a criança perde o controlo e é o medo de ter ansiedade que gera a própria ansiedade. A única diferença de uma criança para um adulto neste contexto, é que a criança não tem noção do que se está a passar. Ela manifesta sintomas idênticos em situações semelhantes, a nível inconsciente, ela sente e sabe o porquê, mas não sabe explicar nem tem consciência ou estruturação mental que lhe permitam fazer isso.


Assim, o importante é ir à raiz do problema para poder perceber e actuar. Com pais ausentes, esta problemática torna-se mais difícil, mas nem por isso é impossível de resolver.


Neste caso em particular, T. vai beneficiar de acompanhamento psicológico, no sentido de:

- Aumentar a sua auto-estima;

- Não depender da aprovação do outro;

- Saber lidar e gerir melhor as situações relacionadas com a crítica e auto-culpabilização;

- Aceitar-se tal como é;

- Que é merecedor de amor;

- Libertação do sentimento de rejeição.


O facto de se sentir rejeitado pelos pais, leva T. a provar a tudo e todos que é merecedor de amor, vivendo em constante tensão. "Se eles foram embora é porque não gostam de mim. O que fiz eu de mal para isso?"


Gradualmente a criança, irá sentir e perceber que tem o amor da tia, que os pais estão longe e, que acima de tudo, ele não fez nada de errado nem foi o causador disso.


Às vezes é preciso dar tempo ao tempo. Parar e escutar. Ouvir os sinais. Para cuidar é preciso estar atento.

A ansiedade surge na vida de qualquer um de nós como um sinal de alerta. Uma forma de nos fazer parar, saber escutar o nosso corpo e mente. Ouvir e abraçar o sintoma, para poder curar.


Sem amor, nada se consegue.


Podemos tentar de tudo, mas se não colocarmos amor naquilo que fazemos ou sentimos, de nada nos vale.

Assim se sentem as crianças, mesmo sem o dizer. Elas sentem de verdade. Elas não pedem para ser amadas, elas simplesmente amam e pronto.


No entanto, também elas seguem modelos do que vêem, nomeadamente dos pais ou adultos tomados como referência. Levam isso como exemplo, um bom exemplo, quer seja bom ou mau, para elas será sempre bom, até terem a noção do que isso significa.


Portanto, é da responsabilidade parental (ou de quem educa) incutir na criança, os valores e princípios necessários ao seu equilíbrio interno, mesmo que isso inclua educar com falhas como todos nós temos. O importante é estar e fazer-se presente.


Nos casos de pais que estão ausentes, a criança culpa-se muitas vezes, sem ter a percepção da realidade. Quando T. sentir na pele que não se passa nada de errado com ele e que os pais estão longe por outras circunstâncias, provavelmente a ansiedade irá desaparecer. Os sintomas irão atenuar, pois a criança vai aceitar a realidade e dar significado ao presente. Ele vai perceber que a ansiedade não o define.


O papel da tia como adulto de referência deverá ter como bases:

- Demonstração real de afecto;

- Reforço positivo quando a criança faz algo bem;

- Explicar o porquê das coisas;

- Não esconder a realidade;

- Não menosprezar a vontade de T.;

- Transmitir que errar/falhar faz parte da vida;

- Fazer sentir o sobrinho incluído na família, incutindo princípios e valores necessários ao desenvolvimento normativo da criança.


É todo esse trabalho de consciencialização e equilíbrio interno que a Psicologia vai ajudar a criança, tendo a professora e a tia como mediadoras durante todo o processo.


A ansiedade, esta palavra que mais parece um palavrão que mete medo, ensina muito às pessoas. Ensina-nos a agradecer pelo que somos e, acima de tudo, pelas pessoas nas quais nos tornamos quando vencemos o medo. Esse bicho estranho. Nós somos mais fortes.


E há dias em que tudo o que precisamos fazer é de nos agradecer a nós mesmos e dizer:

OBRIGADA.


COM CONTINUAÇÃO... (no mês seguinte)

As crianças têm maior plasticidade mental, o que lhes permite adaptar melhor às situações e evitar a auto-vitimização...


Sandra Anjos.

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